quinta-feira, 29 de dezembro de 2016
Oxúm e Badé in realismo fantástico
novamente
na vicissitude dos meus passos
e no hermetismo
dos teus olhos.
preciso dizer-te, meu bem
que nestes últimos dias
e nos outros, anteriores,
o ar me coube,
a água acariciou meu corpo,
o fogo de nós dois
não me ardeu.
deitamos na terra mais fértil do mundo
e nos amamos,
quem sabe mais tarde daremos frutos,
quem sabe não.
seja assim,
esta arte perigosa
mas vital.
este vínculo imperioso
mas legítimo.
esta verve que me toma
e me devolve.
nos encontros mais poderosos
do mundo.
como o choque da correnteza
dos teus rios
com as pedras ferventes dos
meus vulcões.
segunda-feira, 12 de dezembro de 2016
poema de amor em Pilares
as ruas sofrem em silêncio
o ar entra pela janela e para
a noite permanece incômoda
avanço cômodo a cômodo porquê?
ouço as baratas no esgoto e me alegro
bom saber que não estou sozinho.
são meras mensageiras da tragédia
fecho os olhos e com pouco esforço
vejo a pele e a classe em desespero
meu coração grande mas vazio,
diante da concretude das coisas
me dou folgas ao chorar por amor
aos fatos duros e irrefutáveis do mundo
mas seguirei sem o furor da despedida
é pobre e preta
todo poema de amor vira
pequeno-burguês
sábado, 10 de dezembro de 2016
poema precoce
a noite segue as condições do ar
úmido, quente
como os abraços que
me prendem
dentro dela.
e eu
circunspecto ser de carne,
de ideias rasas
em palavras raras
jogadas ao nada,
no vazio da máquina
do mundo
me deito.
portas se entreabrem
sozinhas
nesta sala,
almas se entreolham assustadas
e você me falta.
me desiludido das leituras
concretistas
e do concreto dessa selva
que mata.
se eu pudesse
mataria as duas classes
que lutam entre si
e me levarão pra longe
matando a nós dois,
se pudesse
mataria as almas que
se entreolham e
esperam uma atitude que seja
de mim
no intuito de trazê-la de volta.
mas sou incapaz de vencer sozinho
estas pelejas.
por isso eu, rebelde,
fruto do ódio,
do barraco de pau
e da arueira,
me resigno,
lamentoso e surpreendido,
me deixo levar sem me importar
com a data de validade
dos amores deste trimestre,
que nascem e morrem
com e como as rosas roxas
da tua aura.
no mais não penso.
o clarão se anuncia lentamente
sobre a serra,
a noite finda condicionada pelo ar
frio, seco
como os beijos
que se perdem
no vazio dos poemas.
quinta-feira, 13 de outubro de 2016
treze de outubro
depois dos vinte e cinco.
uma égide imaginária
que defende os meninos
dos homens que eles se tornaram,
cheios de vícios e
parcos amores e
interesses mesquinhos.
na madrugada que separa
os vinte e poucos dos
vinte e tantos,
os sonhos perdem o sentido,
as bebidas o poder de transformar,
as manhãs o sabor.
uma flor se joga ao vento
já sem perfume
sem nome
num jardim moribundo
contando os dias
para morrer.
sábado, 8 de outubro de 2016
por que todo amor vale a pena?
em melodia
e se metamorfoseiam,
como borboleta,
em leves e aprazíveis
sambas tristes.
este não é mais um poema de amor
os versos que transbordam em mim
não falam de olhos que quase
se tocam ao se ver,
nem de sorrisos frouxos
que saltam um
por cima do outro.
não falam das noites em claro
na volúpia dos encontros,
ou na ânsia compartilhada
de tê-los.
este poema
de versos tão curtos,
tem entrelinhas que desarrolam
e se estendem
entre dois mares
que se acabam
na terra seca
dos desencontros.
Este não é mais um poema de amor
que escrevo com a minha pele
na tua.
não é mais um poema de amor
que cantamos bêbados pela rua,
este não é mais um poema de amor
porque não te amo mais. não!
não somos mais um poema de amor
porque nossos versos
escritos a seco
em nossas peles escuras
doem demais.
quarta-feira, 5 de outubro de 2016
para um amor sem vergonha
que não se chama amor.
um descuido que mora
nos olhares sedentos,
e nos pensamentos
indecentes
da madrugada.
que rejeita a ternura,
os calafrios e palpitações,
que prefere o calor
que se alastra
nas calças
quando a vejo.
eu tenho um amor
que não vale um carinho,
que não vale o afago
que um poema faz
n'alma.
é um amor vagabundo,
bagaceiro, de pelos pubianos
que se enroscam,
de seios que se tocam
e se desprezam depois
indo embora
antes do outro acordar.
terça-feira, 27 de setembro de 2016
Ibejis
atravesso os dias cinzas e o atlântico
feito flecha,
busco o sol e o chão vermelho
dos meus ancestrais.
tanto tempo faz,
quanto preto jaz.
do meu povo só me restam os dramas,
os carmas,
os sambas tristes,
e os orixás.
no morro moramos
nos sonhos
descalços dos pretos pequenos,
que escapam do doze
driblando o veneno,
que sabem lá dentro
que todo preto poeta
é um gênio,
da bola, da música,
ou da caneta...
quantos gênios
se esquivam da escopeta
e morrem no vestibular?
Ibejis,
gênios pretos.
demônios
que a igreja condenou,
a criança que a escola abortou,
magia que a ciência calou.
o grito amigável no escuro
que me guiou.
que Oxalá ilumine e faça paz
aos geniozinhos, pretos ricos,
de pés pequenos descalços
que me fazem feliz.
Omi Beijada! Bejiróó!
farami só ibejis!
segunda-feira, 26 de setembro de 2016
Toda manhã
o mundo inteiro nasce e morre
e eu continuo a suportar Wall Street
segunda-feira, 19 de setembro de 2016
o novo e o velho
terça-feira, 13 de setembro de 2016
544
a semelhança é fascinante
no marasmo alucinante
da condução abarrotada.
colocando reticências
ao refletir experiências,
ao futuro com esperança
e ao pavor com resistência.
ninguém nasceu pra semente
quem não entende, eu reajo
ao ver a morte dessa gente
e me torno o delinquente.
quem não foi violentado
não precisa ser violento
quem de nós não é o vilão
forjado pela frustração?
quem tá na televisão?
e quem não dorme com remorso?
e quantas gerações ainda gritarão
que o petróleo é nosso.
tá embaçado, engarrafado.
eu revoltado, atrasado e bolado.
outro preto aprisionado na cidade
outro início de noite na via Light.
Flerte
Ela me folheia
e saboreia
meus olhos nela.
Sem pudor,
Eu todo ardor
Vou com pressa
E me perco
No prefácio interminável
E na arte da capa dela.
Preta bela,
Te entendo nada
Mas que gostosa cê é,
Nem te provei
Mas eu já sei,
Ninguém te faz,
Sei como é.
Eu jogo a vera
Na cara dela
Ela joga a vera
Por que ela pode,
E se eu tiver sorte
Serei rei hoje,
Tenho um lugar pra sua coroa
No meu espelho
Mas só essa noite.
Ou quem sabe pra sempre
Ou quem sabe pra agora
E se mais pra frente
Eu não quiser ir embora?
Ninguém vai dizer...
Quem sabe o flerte
Não é só um jogo
De interesse
Uma noite inteira!?
Quem sabe o flerte
Não é o swing
Das mentes na sintonia
De Madureira!?
quinta-feira, 1 de setembro de 2016
Fora temor
não é por ela,
não é por medo
nem euforia.
não é por ela,
nem pelo mandato
que já não vale
meus pés na rua.
não é por voto,
um ato oco
que nunca foi
democracia.
minha bandeira
só se levanta
vermelha e plena
pra luta justa.
não é por pouco
que o grito uníssono
trouxe pra estrada
o trabalhador
que queima e ocupa,
reage e luta,
pois sem silêncio
não há temor.
domingo, 28 de agosto de 2016
Zero vinte e um
converso com o Rio, me disperso,
nessas horas capto a razão do universo
e transcrevo tudo em papo corrido e reto.
sou a ponte perdida, metralhadora lírica.
de tudo que eu ganhei na vida
a verdade empírica das coisas é a mais bonita.
me tornei um usuário compulsivo da filosofia
sofia vã, como toda flor é escrava da manhã,
e essa flor depende tanto de uma mente sã.
e sanidade está em falta no Rio de Janeiro
de sexta no puteiro e segundas no divã
que caminha pro precipício e não protesta
como se consentisse uma arma apontada pra testa,
que não pula a catraca e não contesta.
forjar consciência na massa é o que resta.
panfleto na central do brasil, cinco horas da tarde,
e enquanto isso pensar como o sistema é covarde,
por que um milhão vai voltar apertado e sofrido
mas nem todo mundo sabe ler o que tá escrito.
e aí, José? e agora?
se acabou o tempo
e cê não acabou a escola.
todo menino é um rei
antes de cheirar cola
e resolver na bala o que resolvia na bola.
pés descalços na apressada candelária,
pés de vento pra malandragem centenária
cobrando a conta da chacina a vera,
roubando a vera de forma precária.
e quem há de entender os órfãos do massacre?
já que o doutor não acredita na luta de classes,
conta essa história pros menores do DEGASE
ao ecoar de "UPP, É O CARALHO, CUMPADI!"
embaçado, José? pois é.
não tem mais bucolismo nem Drummond Andrade.
tem gente que se abstrai da realidade
mas eu me materializo ela na arte.
eu escrevo a poesia que a favela me ensinou
se eu estivesse em Ipanema falaria do amor
mas eu lírico pra mim é o Freddy Krugger
correndo da PM nesse filme de terror.
quarta-feira, 24 de agosto de 2016
domingo, 24 de julho de 2016
Soneto do medo
quinta-feira, 21 de julho de 2016
Nós sequestramos a poesia!
crianças e sacos de lixo
na calçada
lâmpadas queimadas
no sereno frio
alguém sucumbe
no outro lado da rua
outro olha da janela
não vê nada
não enxerga o ser humano
que morre
do auge do glamour
do whisky e da cocaína
da boemia da poesia
que ignora a gente
como quem salta
sobre as poças de urina
das pessoas urinadas
de frio no pungente
Centro Histórico do Rio
às três e meia da manhã
poetas viciados
prostituídos
alheios ao seu povo
não foram poetas jamais!
poetas
vivem no seio do povo
nascem da morte do outro
e na dor
na culpa
na falta
na inutilidade
dos versos
frente a menina
que fraqueja
arqueja
se dobra
e morre
aos catorze
sem maca
sem pílula
sem nome nos jornais
na lista dos hospitais
cujo o estoque
tem em falta
corações
não seria eu poeta
se não pudesse escrever
sobre a vida
a sobrevida
a subvida mal vivida
e sobre a morte
corriqueira
do meu povo
retinto e faminto
indistinto nos braços das viúvas
ou das solteiras
mães em pranto
na próxima chacina
mulheres senhoras meninas
que compram flores
para o feriado de finados
e arrastam a vida
sabendo que a perdem
Poetas
escravos do consumo
da fraqueza da multidão
do que adestra o coração
da ração cotidiana
de entretenimento
em detrimento
da arte
não são poetas mais!
declaro aqui agora
sequestrada a poesia!
apropriada
expropriada pelo povo
retinto
mas sem cor
nas paginas da história
faminto
de amor
mas armado de ódio
indistinto pra rima fria
dos fidalgos
que catalogaram a beleza
a rima agora é preta
é parda é feia
perneta e banguela
a métrica corre pelas ruas
descalça nua suja
porém digna de parecer real
volto então pelas ladrilhas
confiante de mãos pensas
passos firmes no pungente
Centro Histórico
sabendo que tenho só uma história para contar
a sua!
domingo, 17 de julho de 2016
Poetisa
preso numa gaiola de papel,
que canta tão belo
que ninguém pode ouvir,
que voa tão alto
que ninguém pode ver.
teu talento,
monstruosidade
tão grande
que choca
como o cano de um revolver
engatilhado
no meio dos olhos.
e ilude a rotina
cegando o marasmo.
tu és, menina,
um pássaro triste
preso no próprio quintal,
que quer ser flor
sendo beija-flor,
que quer raiz
tendo asas verdes,
em minha inveja
gostosa de sentir de ti,
posso ouvir o dilacerar
dos corações
no ar parado
dos pontos de ônibus
inundados por teus versos.
amotinando a multidão,
iludindo a polícia.
pois só assim
novos poetas emergem.
quebrando o hábito!
que mais dizer?
tu és, poetisa,
um pássaro lindo
guardado no escuro.
segunda-feira, 11 de julho de 2016
Pássaro triste
não me amo para te amar
mais que te amo,
e suscitar em ti
as bonitas coisas do amor.
eu te amo sim,
mas não posso me amar.
sou infiel, ausente,
displicente,
forjo fracassos
por diversão.
estou decadente,
a tristeza cortou
minhas asas,
me impediu de voar,
mas fez do meu canto
o melhor para você,
meu amor.
sei que logo estarei velho
nas mesas de jogos de azar,
com cigarros me matando
entre os dedos,
sozinho, rusguento
e moribundo.
e só me restará
a certeza de que te amei,
e sofri, e sorri, e chorei,
e fui o pior dos teus
melhores amigos,
e te fiz provar
das piores bebidas,
e do gosto amargo
da solidão.
mas no dia em que você voar
deixe uma pena em meu ninho,
para que tu vivas para sempre
no meu coração.
sábado, 9 de julho de 2016
O amor é um cão dos diabos
e se pudesse não tentasse,
mas pra todas depois de ti
meu coração encrudesce,
e é como se nosso caminho
eu outra vez palmilhasse,
e ao examinar onde nos perdemos
me perdesse outra vez nas respostas,
atravessadas, mal dadas e sujas,
nas minhas mentiras, nas suas,
nas nossas piores apostas.
agora o mundo se abre
e se mostra pra mim como um sonho,
o simulacro mudo de um riso
ecoando por acres e acres
ao lembrar teu rosto risonho.
a duras penas me recomponho
e me ponho a fitar o inverno,
usarei de todo artifício
pra demolir em mim o edifício
erguido pela fábula do amor eterno.
se entre outras pernas te mato
na solidão eu não te renego,
te invoco em conhaques e cigarros
e aquele velho roto eu não nego,
teu folheto avisou mas sou cego,
é mesmo o amor um cão dos diabos.
quinta-feira, 7 de julho de 2016
Baía de Guanabara
despejam sua fúria nas paredes,
mas a favela é mais que tijolos e resiste,
o braço rebelde arremessa pau e pedra
mas a máquina do mundo esmaga o povo.
o impacto que estremece o chão
se propaga no vácuo das coisas
que de repente deixaram de existir,
pessoas pulam fezes e desabrigados
no vai e vem sem sentido do mundo.
na franqueza dos muros poetas gritam
e no tráfego lento do rio de aço
da linha vermelha os olhos fitam,
mas não podem ouvir a juventude que berra.
parece que o mundo está em silencio.
no horizonte guindastes dançantes decretam
erguimentos que se opõem às águas da baía
matando novamente os cadáveres que boiam
no melancólico esquecimento à sombra da cidade,
contradições da capital sórdida e aprazível.
mendigos disputam pessoas e os restos do McDonalds,
vira-latas disputam mendigos e sua bondade irrisória,
enquanto estrangeiros disputam o futuro do nosso país,
todos se misturam na bucólica Praça Mauá que mata poetas.
e quanto mais compreendem o mundo, mais morrem.
não conseguem mais escrever versos suaves,
já não sabem rimar o mar com sua gente
pois o mar que se tem é a Baía de Guanabara
onde os cadáveres e barcos a vela disputam
as medalhas de ouro de Olímpia.
na outra margem a Maré então resiste
a revelia do brasisleiro médio, sujeito inventado
para ignorar o impacto dos braços de aço
na vida da gente, e ignorar os berros dos muros
sufocados pelas buzinas na lentidão da Linha Vermelha.
sábado, 25 de junho de 2016
Alicerce
pensativo porém de aparência confiante,
medo não sentia da noite porque
a treva tranquila do outono e
o vento álgido que despe
a lua das nuvens que veste
são hediondos mas não letais.
sobre questão me debruçaria
se não tivesse de andar,
mas se questão não é importante
a esta hora, quê mais será?
nos ladrilhos deitar-me-ei,
porquê não?
e me deleitarei do meu reinado
na ladeira de pedra,
já que os carros
não sobem o Cruzeiro
as três da manhã.
e daqui revelarei os mistérios
pra além dos pomposos
prédios de mármore
das rua do centro dessa cidade,
que cresce pra cima
levando os de cima,
enquanto concreta
os de baixo na liga
do alicerce.
me agarrarei numa
realidade não palpável,
na real, uma patética tentativa
de metafísica
do proletário bêbado
que vos fala a esta hora,
que não quer mais ser alicerce
de filho-da-puta nenhum,
por quê das flores que nascerão
no meu engenho,
não terei tempo de colher nenhuma,
e das vinícolas todas
de pau maciço
não tocarei num barril.
mas saibas que,
destas begônias inteiras que desabrocham,
dos hibiscos e até dos girassóis,
que não coexistiriam se fosse
por conta de gente que não sabe de jardinagem,
de todas essas flores
tenho ciência e poder,
e tenho também coletiva
consciência de colheita,
pra que todos tenhamos lírios
na janela da cozinha
das nossas mães
e rosas nos cabelos crespos de nossas mulheres.
por que eu governo tudo o que vejo
do auto da ladeira ladrilhada do Cruzeiro.
ladrilhada por mim mesmo,
de passagem devo dizer.
e não é só um florilégio de palavras
que você nunca viu
que me garantem este reino vil,
cheio de alicerces e espigões,
cheio de martelos e pregos,
cheio de ratos e gaviões.
é o próprio e verídico
causo que conto,
eu com minhas próprias mãos
construí esta cidade média
que demanda ser grande.
se não acredita,
olha em volta o que é feito de pedra
e aço, areia, cerâmica e cimento.
tudo está junto e em pé no esquadro correto
e iluminado pela mão do operário civil,
obra de todos os Severinos e Josés,
de todas as Marias, que trocam
flores por rugas,
e denunciam a solidão.
sexta-feira, 24 de junho de 2016
Todo neguinho é um poeta
porque a madrugada
nunca foi hora de dormir,
mas de sonhar.
pra isso poesia!
sonho
é a caneta cativa
da mão livre
e liberdade
é viver sem rascunho.
e vida,
é o quê?
neguinho correndo descalço no morro
esquecendo a miséria
pra onde a pipa for.
nasce assim um poeta,
um neguinho,
o poeta.
poesia é
esquecer a miséria
em que tu foi
metido.
nasce assim identidade
de neguinho
de sonhador
de homem livre
vivo e triste.
um poeta nagô.
das vielas e ruas,
das universidades.
um poeta neguinho,
nas esquinas da verdade
inspirando a fina flor
que vive:
no neguinho que eu fui,
no poeta que tu és.
e que eu ainda sou.
quinta-feira, 9 de junho de 2016
Declaração de amor à minha classe
a primeira e mais conhecida
foi naquele treze de outubro
em que eu fui cuspido
para a luz branca e violenta
do capitalismo em sua fase
monopolista.
meus olhos doeram e
meus braços e pernas provavelmente,
mas de minha mãe só tive bons tratos
e o mundo pra mim foi um seio de mãe.
os mais leves anos de minha melhor vida.
a natureza indômita da pureza humana,
que não dura mais que 6 anos.
minha infância envelheceu
e eu morri.
depois nasci de novo
naquele sonho adolescente,
naquele inverno quente e bonito,
entre aquelas pernas esguias e negras.
foi quando aprendi a ler o corpo de mulher
recipiente que equilibra o sagrado e o profano
na alquimia que cria o amor.
incipiente e ainda egoísta
como a criança que matei na outra vida,
meti-me a alquimista,
a formula então foi perdendo o efeito
no corpo dela já não cabia meu amor,
e ela se foi, e eu morri outra vez.
e na vida material? já nasci morto,
como toda prole desprevenida e sem instrumento.
pútrido meu corpo se dirigia a fábrica
onde meu sangue e suor alimentavam uma máquina -
veja só a ironia - que fazia carteiras de trabalho.
eu era a personificação perfeita do Trabalho
acorrentado em 8 horas de produção,
descaracterizado de sua função,
de transformar a natureza em vida humana.
escravizado pelo outro lado da contradição,
Capital, o deus dessa religião monoteísta,
toda poderosa onipresença nas relações da humanidade.
destruindo as relações de verdadeira humanidade.
quando cruzei os braços
o deus de papel sucumbiu
e eu enxerguei que não estava em putrefação
o cheiro de podre que eu sinto não é meu.
Deus está morto e não sabe
cabe a nós enterrá-lo.
na luta de classes
difícil, ingrata e injusta
nasci pela última vez
e não pretendo morrer.
falhei como filho e como amante,
mas em minha classe não termino em mim mesmo,
em minha classe nasce o futuro,
em minha classe vivo para sempre.
sexta-feira, 27 de maio de 2016
O homem preto
que causa convulsão no centro de conhecimento
da supremacia dos brancos.
o homem preto não acredita no racismo,
ele combate.
o homem preto não quer capital,
ele quer a revolução.
o homem preto
contra todo tipo de opressão.
os inimigos não acreditam no homem preto
por que o homem preto é perigoso ao poder.
eles querem um motivo para matá-lo.
procuram na casa do homem preto,
não encontram nada.
procuram na família do homem preto,
ninguém diz nada.
procuram na postura do homem preto,
mas esta é cristalina como a água.
mas o inimigo é astuto,
quer a cabeça do homem preto,
então usa a arma do oprimido
feita para se defender do homem branco,
para atacar, advinha quem,
o homem preto.
o capitão do mato forjava motivo
pra levar o preto pro tronco,
a polícia forja motivo
para levar o nosso povo pra cela,
o patrão conspira baixinho
para manter o homem preto na favela,
e mesmo vencendo essa vida
de mazelas,
novamente forjam motivo
para matar a dignidade
do homem preto,
e dizem que ele furou
o mandamento que a preta nagô, sua vó,
lhe ensinou:
"trate toda filha de Nanã com amor"
mas o homem preto é FORTE.
Olorum Ekê!
filho do Povo de santo FORTE!
Kaô Cabecilê,
Xangô, pai da justiça
quem conta contigo, não conta com a sorte.
segunda-feira, 23 de maio de 2016
Panelas mudas
enquanto a vacilação
do golpista jorra.
a trama vazou
fazendo emergir o esgoto
na avenida Paulista
vazia.
Panelas mudas
em Copacabana,
mas em Costa Barros
os canos assassinos
continuam a berrar,
atravessando carros populares
e órgãos, e ossos, e sonhos
de famílias inteiras
Panelas mudas
para a miséria,
para a mentira,
para a omissão.
Panelas mudas
para a tarifa à 3,80,
para o encarceramento da juventude,
para a genocídio do povo preto.
Panelas mudas,
por que o que era mal
passou,
e por que o silêncio é
um privilégio
de classe.
terça-feira, 12 de abril de 2016
Titun Igba (Novos Tempos)
Rei de Oyo
e do Rio.
Dono do trovão,
Pai Xangô.
Obá Kosso.
Justiça vai vir,
Afonjá,
governante Rei
vai vingar.
pela ira de Olorum,
Obá Jukatá
Se me escolheu,
Xangô,
vou cantar!
é tempo de amor
mãe Oyá.
Traz o Oxê
de Xangô Ajaká.