domingo, 27 de agosto de 2017

desvio ideológico

o ultimo jornal da noite sempre
me faz dormir preocupado
mas hoje, as palavras neblinam
e o papel é sinuoso para percorrer.

as vezes, de olhos fechados,
entro pela cozinha amarela,
a fechadura reclama da porta,
a garrafa de café sempre vazia à mesa.

antes seguia um vulto até o quarto
onde o amor me queimava como o inferno
agora paro na salinha clara,
interrompo a luz empoeirada,
coração batendo penoso,
não avanço ao próximo cômodo
apenas sinto o silêncio.

abrir os olhos para engolir o sonho,
conhaque para engolir a realidade,
filtro vermelho para engolir a dose.
a tosse é engolida pelo soluço.

levantar-se no domingo pela manhã
ir a reuniões, usar jargões, beber café.
odiar o presidente, temê-lo.
odiar o Pentágono, a direita venezuelana
sentir o sentimento do mundo
e me sentir patético pela última noite.

os discursos se inflamam
enquanto na minha cabeça
neblina.

"cozinha amarela neoliberal"
"luta de classes na salinha clara"
"piquete silencioso no quarto"
"coração penoso que bate colonizado"

um cínico desvio ideológico
no meio da análise de conjuntura.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Alagoas

pequeno montinho de terra
entretanto
monumental.

vence na marra terra adentro
os limites áridos de Pernambuco
guarda a serra em que o espírito revolucionário
de meus antepassados repousa
e é tudo que sei de ti.

guardas também uns pescadores, umas senhoras
com as rugas do sol gigante dessa terra
aboios, toadas, cavalhadas e socorros
pés que se arrastam na terra
de dia na lida
e a noite
num afluente caótico e moreno de amor.

aprendi a te querer pelas curvas
que tua alma desenha na minha
quero tocar teu chão macio com todos os meus poros
ir fundo em ti
que tuas curvas
e cicatrizes
me cabem inteiro.

olhas o horizonte sedento do atlântico e vence
vês a terra seca matar tudo o que se planta e vence
combates contra a dor como quem combate a morte,
mexes nas feridas abertas como teus rios e vence
resiste contra o latifúndio
que mancha tua perspectiva bucólica
e vence

e vencendo
avança.

Alagoas, alagoana
das imagens que por hora me ocorrem em poesia
do cheiro de infância que vem a boca
da saudade que me invade as terras baixas fluminenses
onde também vive o brasil brasileiro
que aprendeste a amar como a mim.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

o anti-amor romântico

vim escrever minha ode ao ódio
por que o amor nada me deu no teatro municipal
nem na praça paris ou na pedra do arpoador
o amor na verdade
tem me tirado o balançar sonolento na linha irregular de Deodoro
metido abelhas em meus ouvidos
ferroadas em meus pensamentos.

por isso a ode ao ódio deve ser feita
assim não me decepciono mais
com as pernas que sem mais
se fecham a minha frente
dou as costas a elas antes
tão mais de repente
que faço-as parecer ridículas
e tão inúteis quanto as minhas
quando paralisadas pela mágoa.

e assim faço-os parecer ridículos também
os alvarez de azevedos e os vinícius de moraes
e os convenientes drummonds
que tenho em estima
mas que têm me feito beber muito conhaque.

má fase

pela minha caneta
ultimamente
corre um rio
de pressa e vazio
um rio de lugares
comuns

ei de transformá-lo em poesia.

Fogo no engenho

giroflex ilumina
minha face hedionda
capataz esquentando
o chicote hediondo

sinhôzinho prepara
solução hedionda
e eu só sei planejar
meu crime hediondo

negro em fuga na mata
mata revolucionária
matei a voz reacionária
botei fogo no engenho

na barriga tem uma serra
serra da barriga cheia
tem justiça no alguidar
liberdade na candeia