sarjetas imundas
crianças e sacos de lixo
na calçada
lâmpadas queimadas
no sereno frio
alguém sucumbe
no outro lado da rua
outro olha da janela
não vê nada
não enxerga o ser humano
que morre
do auge do glamour
do whisky e da cocaína
da boemia da poesia
que ignora a gente
como quem salta
sobre as poças de urina
das pessoas urinadas
de frio no pungente
Centro Histórico do Rio
às três e meia da manhã
poetas viciados
prostituídos
alheios ao seu povo
não foram poetas jamais!
poetas
vivem no seio do povo
nascem da morte do outro
e na dor
na culpa
na falta
na inutilidade
dos versos
frente a menina
que fraqueja
arqueja
se dobra
e morre
aos catorze
sem maca
sem pílula
sem nome nos jornais
na lista dos hospitais
cujo o estoque
tem em falta
corações
não seria eu poeta
se não pudesse escrever
sobre a vida
a sobrevida
a subvida mal vivida
e sobre a morte
corriqueira
do meu povo
retinto e faminto
indistinto nos braços das viúvas
ou das solteiras
mães em pranto
na próxima chacina
mulheres senhoras meninas
que compram flores
para o feriado de finados
e arrastam a vida
sabendo que a perdem
Poetas
escravos do consumo
da fraqueza da multidão
do que adestra o coração
da ração cotidiana
de entretenimento
em detrimento
da arte
não são poetas mais!
declaro aqui agora
sequestrada a poesia!
apropriada
expropriada pelo povo
retinto
mas sem cor
nas paginas da história
faminto
de amor
mas armado de ódio
indistinto pra rima fria
dos fidalgos
que catalogaram a beleza
a rima agora é preta
é parda é feia
perneta e banguela
a métrica corre pelas ruas
descalça nua suja
porém digna de parecer real
volto então pelas ladrilhas
confiante de mãos pensas
passos firmes no pungente
Centro Histórico
sabendo que tenho só uma história para contar
a sua!
Nenhum comentário:
Postar um comentário