sábado, 17 de outubro de 2015

Sobre a saudade

As estrelas são desbotadas
no céu metropolitano,
outubro é sempre quente
e sem pudor,

desço então a noite deserta
vou em direção às respostas,
mas todas as apostas que eu fiz
nunca me disseram nada.

saudade é mais
que acaso e ausência
de sentido,

saudade é mais
que falta
e solidão,

saudade é perder na vida
o motivo do sorriso
mas mantê-lo vivo no coração.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Samba-de-meio-de-ano

Canção de amor
e da solidão,
samba de meio de ano
em questão,

a chuva sempre cai
no fim do carnaval,
o amor sempre trai
no desfile final.

e aí, quem dirá que o coração
rasgado e sofrendo em vão, abandonado
como as alegorias do passado

será capaz de entender
o que houve de errado
e cantar na cadência de um samba-canção?

domingo, 4 de outubro de 2015

Os sertões

Todos os dias são áridos,
nesta terra só eu me precipito.
o ar se vai e tudo teima em morrer
sob o céu sem nuvens de outubro.

primavera é sempre nada.
do chão estéril só brotam flores de plástico
na caatinga do meu coração só cactos
de onde eu tiro seiva bruta
e dou de beber em versos
a quem mais tiver sede.

acompanhado,
e demasiadamente só,
sempre.

porém, há sempre fogo
entre outras pernas,
e companhia descartável
noutros olhos.

há sempre um abraço de amor,
e outro de adeus.

e há sempre outras bocas, seios e mãos.

por fim há sempre outras flores,
mas desde ti meu coração é sertão,
e nos sertões tu se chama saudade.

domingo, 31 de maio de 2015

Ô preta,
O cheiro que você deixou
No meu peito
É de saudade.

Preta
É a pele de menina,
o corpo da mulher
Que me deixou sonhando.
A alma te olho de perto
No fundo do meu inconsciente.

Castanha,
Bem escura é tua íris.

Por trás dos olhos
Seus códigos
Continuam a me enlouquecer.
Decifro-te,
Mas mesmo assim
tu me devora.

Pretinha,
Minha.

Controversa materialização
do meu prazer

Abandono os polímatas franceses
E todo materialismo dos
Historiadores da Inglaterra.
Me pego calculando
As tuas medidas impossíveis,
Suas curvas perigosas

Das cifras e códigos
não sou amante
Mas nos teus números
Há poesia

Me sinto um tolo
Mas não te diminuo
À minha essência animal.
Afinal quem me ensinou a sorrir outra vez?

Preta, Pretinha
Quero ver teu black power
Florescer no meu espelho,
Brindando a liberdade com amor.

Queria ter pretinhos
Parecidos com você
E provar pro mundo
Que existem anjos negros

Queria tudo,
Mas neste quarto
A esta distância
Não posso me entregar.
Sou um poeta sozinho
Num samba triste
Ao luar.

Contando as garrafas vazias
E as bitucas de cigarros de palha
queimados no chão
Sonhando em contar estrelas contigo
E te dar o meu peito como abrigo.

sábado, 25 de abril de 2015

Sobre os passos de abril

meu peito é uma prisão
maciça e indestrutível
um complexo indivisível
de razão e desespero.
o produto sensato
de um destempero.
uma caixa sem enfase
e paradoxal.

neste tórax nu
a altas horas
bate um coração vagabundo,
moribundo,
mastigando as migalhas do mundo
recluso na prisão
de carne, osso e petulância
morrendo de arrogância,
vivendo este absurdo.

todas as mulheres dormem sobre meu peito
nenhuma ouve meu coração
que como um pássaro ferido
sussurra uma oração
com assovios baixos e surdos
a tempos regulares
perdidos nos passos mudos da multidão.

meus olhos doentes, carentes
se perdem em todos os seios e lábios
qualquer olhar recíproco me consola
nenhum me renova,
mas na madrugada
todos os malandros são sábios.

me volto então
a minha classe e alguns poemas
algumas mentiras me ajudam a viver
outras me ensinam com lemas
mas todas são falsas
e um dia vergonhosamente
ão de perecer.

e o fedor
da velha classe e dos velhos versos
não causarão furor
no mundo novo que há de vir
a liberdade me enche os olhos
mas não é pra mim
e pra fugir da decepção
me escondo
em minha gaiola
forrada de cetim.


quarta-feira, 18 de março de 2015

Vermelha, bandeira.

Sou do Partido Comunista Brasileiro,
minha bandeira quase centenária
não envelhece, ao contrário,
me remete àquele 25 de março
na Guanabara proletária,
mil novecentos e vinte e dois.

Partidão
de lutadores e insubmissos
como são os comunistas
em sua ênfase apaixonada.

apesar de tudo,
aquela bandeira vermelha
de foice e martelo augustos
se manteve tremulando
mesmo na chuva,
encharcada, pesada;
mesmo na noite fria,
solitária;
mesmo na dor
de ser incendiada;
sinalizou a saída:
a via camponesa,
a luta operária.

agora novamente
querem te condenar,
bandeira vermelha
do Partido Comunista.
novamente
odeiam tuas cores
e difamam teus ídolos.
teus militantes outra vez
estão prestes a sangrar.

mas prosseguem sem medo,
pois o sangue quente
que corre em suas veias
explica o vermelho nos olhos.

pois sabem
que todo comunista
é uma rosa vermelha
que quando arrancada
e jogada ao vento
vive pra sempre
em seu perfume,

e borda no seio do povo
que o socialismo
é o futuro do mundo.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Um comunista

Caminho pelo Centro
não vou sem rumo.
anseio a luz da liberdade
e a cada esquina
um arrepio na pele,
e um vento frio no peito.
moro no coração rebelde
dos meus camaradas.
os muros vão caindo
enquanto passamos.
pernas, mastros e bandeiras vermelhas
se misturam ao clarão que se extingue
por trás da serra.
o anoitecer abre corações.
eu os invado.

os olhos me espelham a semelhança
de cada homem e mulher livre,
todos os ouvidos atentos na fala
de um comunista frágil
que para o tráfego,
desmonta o quebra cabeça de concreto,
interrompe as veias da cidade,
e faz o coração proletário bater.

depois segue em frente,
pois progredir
é a natureza do comunista,
mas a cada vez que caminha
pinta um canto da cidade
de vermelho.

Capitalismo:
Não importa se é neo-liberal ou keynesiano.
Não importa se a empresa é privada ou estatal.
Não importa se o petróleo é "nosso" ou deles.
Não importa se é estrela ou tucano.
Capitalismo mata,
mutila.
Capitalismo tira a dignidade,
torna o homem descartável.
Capitalismo é hostil.
Pra começarmos a viver,
ele precisa acabar.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Quatrocentos e cinquenta

Feliz aniversário
ao Rio de verdade,
ao Rio operário
dos becos incontáveis.

parabéns ao Rio feio
dos marginais e miseráveis,
donos de todas as ruas,
alienados à cidade.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Pranto de poeta

Realmente,
a rua não é lugar de poesia
quando a calçada sangra na pauta.

É nas sarjetas improváveis da Baixada
que há tristeza,
nas praças, nos parques
e construções abandonadas,
garimpa-se beleza
as vezes ela mesma nos acha.

Quem pode ver?
é uma pedra sem gosto
nas ruínas do progresso,
lavada de sangue negro
e óleo preto de carro
brilhando decadente no asfalto quente.

São estrelas bordadas no papel
pela mão esquerda do poeta,
e como dói o fedor dessa atmosfera.
respira-se o ar, sente-se o fel,
a náusea logo vai chegar,
a mão direita vai tremer de horror
mas é mesmo a esquerda que sangra melhor a caneta.

É duro garimpar na Baixada
e tem vezes ainda, que o poeta descobre
que no concreto não há nada,
nem prata, nem ouro, nem cobre
e que a fétida putrefação tem endereço,
tem classe, sempre é pobre.

Eu compreendo o poeta que deixou de navegar
enganado neste céu estéril sem estrelas
já sem encontrar razão pra caneta,
notou que na Baixada não tem horizonte
e que a cidade é uma prisão de concreto
para seres humanos livres

Passem longe soldados e carros da polícia,
e passem longe cidadãos e celulares,
a multidão alucinada do século,
passem longe vencedores e populares.
um poeta sucumbiu,
se arquejou, lamentou, se esvaiu.
soltou um grito de dor, ninguém ouviu
e a massa logo seguiu o fluxo diário do caos.
pisando pra lá e pra cá, sem notar
que no asfalto é a beleza que escorre
e o medo da noite fria vai me acordar
pois toda vez que anoitece um poeta morre.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Bem-vindo à máquina

O primeiro passo
de um conjunto de passos caóticos.
preso ao labirinto
e as tendências da cidade.
há quem diga que este tempo
empobrece o homem,
eu não discordo,
mas quem sou eu?
quem é tu?
preso a esta lógica
por uma conta bancária,
todos os homens podem ir
aonde quiserem,
mas todos vão ao trabalho.
voltam trazendo dinheiro e ferrugem,
se tornam menos livres,
mas podem ter celulares.

cansado, não olho o relógio
que esquenta e me queima o pulso
o sol me diz que são meio dia
minha pele e o concreto
derretem e se misturam,
expondo a feiura do homem e da rua,
impregnada nos ossos e nas vigas.
comprei muitas coisas
mas não vivo melhor,
algumas me parecem bonitas,
as ostento no pulso,
são pequenas mentiras
que eu me permito contar.

preto e comunista,
não fui bem-vindo
quando cheguei à máquina.
causei uma disfunção,
fui reprimido.
hoje me olham com olhos
de fera ferida,
mas as íris não brilham.
o espírito do progresso está caduco
e todos os olhos têm cataratas.

sou o câncer e a flor,
e alimento esse fogo no coração dos pequenos
ando caótico, pobre e cansado
mas ainda sou a juventude do mundo.
contradigo o rumo da história.
ao filho do beco, da caixa de ferramentas,
do Morro da Mangueira
a palmatória não foi
o único professor na vida.
e da maternidade ao cemitério
o tempo é o chão de fábrica,

"Olá, meu filho!
bem-vindo à máquina".

Vadio

Meu coração é um vadio sem rumo
cambaleando pelas calçadas do mundo,
vivendo a ilusão da velha boemia,
por vadiagem, por ilusão de alegria

volto a dizer que meu coração é vadio.
morrendo de amores, vivendo no frio,
tropicando nas próprias distrações,
dilacerando outros corações

neste peito que não é vazio carrego
as dores da vida que eu não nego,
todos os sonhos quebrados ainda vivem
moribundos, neste peito vadio resistem

meu coração vagabundo sangra e rabisca estes versos
nas minhas cordas de aço conquisto o universo,
me ponho a cantar poesia pra tudo que existe
mas na madrugada amarga todos os sambas são tristes.

então caneta me samba nos dedos anunciando a desgraça
quando me vejo no espelho soprando a vida e a fumaça.
em tristeza e a abandono minha vida não pode acabar
pois meu coração vadio continua a sonhar.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

meus pés, suas asas.

Um cigarro entre os dedos
vai me queimando a alma,
os insumos vão cozendo
enquanto eu espero.
as teias das aranhas
se separam da parede
e cada vez mais 
se parecem com a minha pele.
coço a nuca algumas vezes,
no peito o suor brota nos poros, 
respiro devagar, mas respiro.
meus olhos fixos na fumaça
capturam um eco distante dentro do peito.
são os resquícios de um som que nunca existiu,

ele nasce nas entranhas,
ele ganha os pulmões,
ele rasga a garganta,
ele morre na ponta da língua, toda vez.

suas palavras ficam sempre
ecoando entre o passado
e a eternidade,
sem nunca ser presente.

da fumaça ainda capturo
nicotina e algumas dores.
posso sentir cada ferida
que meus pulmões vão ter
esfaqueados pelas palavras não ditas
mesmo assim não me arrependo
do que ainda vivo.
a este rapaz fora de órbita
chamam viciado em tristeza.
mas se posso defender-me
digo que a tristeza é o melhor de mim.
torna minha alma íntegra,
me adestra a escrita
e garante que meus olhos
só brilhem por genuína alegria.

e àquela suave menina
dos braços grandes e mãos miúdas,
de flor no cabelo e no sorriso
meus olhos brilham com gosto,
pois faz dos meus dias mais leves.

sob seu corpo pesado
e seus gritos de prazer
que me mastigam o juízo
há ainda algum sentido pro voo.
mas a leveza não é de mim
e não sei até quando voar me será fácil.
sou um instinto e um sentimento
disputando o movimento
e o caminho do próximo passo,
pois com os pés sou mais livre 
do que com as asas.

não tenho acordos com o vento
nem mesmo com o chão de pedras
onde ainda tropeço,

já caminho como homem
mas ainda engatinho 
como poeta e como amante

e se te alegra saber dos meus dilemas
adormecerei sob tecido frio esta noite,
mas antes pensarei do calor dos teus olhos.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O samba dos terreiros da cidade

Ela dança no terreiro
e os cabelos a balançar

ela balança no terreiro
e os cabelos a dançar

ela dança no terreiro
e os cabelos a balançar

ela balança o mundo inteiro
com suas cadeiras a requebrar

ela enfeitiça o partideiro
com seu sorriso, seu olhar

o poeta sente o peito
e põe a caneta pra dançar

nesse terreiro de cidade
a rua pára só pra olhar

quando ela solta os fios negros
ela solta a magia pelo ar.

sábado, 17 de janeiro de 2015

Sobre o amor

às vezes acaba
às vezes demora
às vezes trai

às vezes sai
para comprar cigarros
e não volta

mas às vezes,
e só às vezes
fica pra sempre no peito

ao contrário
do que se pensa por aí
amor não é fórmula
e não senta no divã

não é uma família
uma casa
e um sedã

amor não é classe
e não é médio
amor é grande
nem sempre é hétero

amor se mede
mas a conta é infinita
amor se define
ao mesmo tempo
que se limita

pode ser
um desenho à mão livre
de uma criança

ou os riscos no chão do salão
depois da dança

marcando o toque
e a parceria
fingindo sincronia

pois no tango
há sempre alguém
que chora

amor não é constância
é transitoriedade
é o orgasmo de estrelas
da eternidade

o amor é moleque
e pula a janela
amor não é cais do porto
amor é barco à vela.

levado no vento
por essa imensidão triste
desenhando estrelas
em tudo o que existe.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

três e doze

Frio,
vou descendo a rua quente
a madrugada clareia as ideias
vou versando sobre o nada no escuro
as sombras dançarinas das palmeiras me arrepiam
as luzes de mercúrio me desesperam
a solidão absoluta me distrai
os bêbados rastejam sarjeta a dentro
os ratos me espreitam calados no esgoto
não os vejo, mas os sinto sob o asfalto ressecado

os malandros continuam de pé
os farsantes também, mas não demoram
as portas dos bares descem
os motores dos carros morrem
iniciando um silencio devastador
não há mato, nem grilos
o vento uiva de dor espremendo-se entre os prédios
eu descubro que os fios de alta tensão chiam

num lapso de euforia solto um riso
ele se afrouxa dos meus lábios e cai no chão
é um riso de ironia que quer me matar quando puder
me agacho para apanhá-lo e ele foge
de volta a forma de cigarro ele rola até o bueiro e cai
me sento no chão quente da minha cidade natal
as três e doze da manhã e espero que o dia me atropele

um mendigo me reprova,
ele tem cheiro de dias sem banho
e me reprova
ele carrega uma garrafa de aguardente no estomago,
e me reprova
deita as costas num pedaço de papelão
e mata uma barata com um livro
e me reprova outra vez.

o pobre diabo não sabe que sou uma Sig Sauer
gelada, apontada pra cabeça da beleza
com um dedo gordo no gatinho
nervoso, suado e puto.
prestes a esparramar os miolos do que é belo
e arrastar o pouquinho de saudade do seu peito por aí.

me levanto e acendo outro cigarro
este vai me matar de verdade
não só ficar blefando e rolando no chão
meus joelhos ardem pois a madrugada não perdoa.

em casa eu vou sangrar sobre um papel
e por sal grosso na ferida.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Sempre quis
ser dialética
mas é paradoxo

ortodoxo a uma
filosofia hermética
sobre a mudança

um velho
de vinte e poucos.
ranzinza
na esperança

de que um muro
erguido sobre a morte
não seja cinza.

suponho eu, que
pratique
a suposição

se tivesse autonomia
gritaria

se tivesse armas
se rebelaria

se tivesse câncer,
ah, se tivesse um câncer..
na primeira chance
morreria.