segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

três e doze

Frio,
vou descendo a rua quente
a madrugada clareia as ideias
vou versando sobre o nada no escuro
as sombras dançarinas das palmeiras me arrepiam
as luzes de mercúrio me desesperam
a solidão absoluta me distrai
os bêbados rastejam sarjeta a dentro
os ratos me espreitam calados no esgoto
não os vejo, mas os sinto sob o asfalto ressecado

os malandros continuam de pé
os farsantes também, mas não demoram
as portas dos bares descem
os motores dos carros morrem
iniciando um silencio devastador
não há mato, nem grilos
o vento uiva de dor espremendo-se entre os prédios
eu descubro que os fios de alta tensão chiam

num lapso de euforia solto um riso
ele se afrouxa dos meus lábios e cai no chão
é um riso de ironia que quer me matar quando puder
me agacho para apanhá-lo e ele foge
de volta a forma de cigarro ele rola até o bueiro e cai
me sento no chão quente da minha cidade natal
as três e doze da manhã e espero que o dia me atropele

um mendigo me reprova,
ele tem cheiro de dias sem banho
e me reprova
ele carrega uma garrafa de aguardente no estomago,
e me reprova
deita as costas num pedaço de papelão
e mata uma barata com um livro
e me reprova outra vez.

o pobre diabo não sabe que sou uma Sig Sauer
gelada, apontada pra cabeça da beleza
com um dedo gordo no gatinho
nervoso, suado e puto.
prestes a esparramar os miolos do que é belo
e arrastar o pouquinho de saudade do seu peito por aí.

me levanto e acendo outro cigarro
este vai me matar de verdade
não só ficar blefando e rolando no chão
meus joelhos ardem pois a madrugada não perdoa.

em casa eu vou sangrar sobre um papel
e por sal grosso na ferida.

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