sábado, 1 de abril de 2017

Morte do poeta

(a Carlos Drummond de Andrade) 

Há poucos poemas no país
é preciso entregá-los cedo.
há muita miséria no país
é preciso entregá-los cedo.

vou no único caminho
que essa hora permite.
poças d'água nos canteiros
refletindo a lua tímida.
só há calor nos bueiros
os carros passam frios,
indistintos.

o meu ser desenganado
vai operando este corpo,
e o deixando, passo a passo,
à displicência do caminho,

e vai ganhando altura e olhos
que a genética proíbe
e a física se envergonha.
mas não vou muito alto,

pesam as omissões, as opressões,
a pobreza e os versos fracos,
o conhecimento de poucas
estradas pedregosas, nenhuma de minas.

mas conheço as ruas sujas,
os prédios de caixa de fósforo
do pombal, aqui meus sonhos morrem.

certa vez um homem disse
que um gole de conhaque
e uma lua, qualquer que fosse,
já comoviam um poeta.

desculpe, Carlos,
nunca bebi do teu conhaque,
que lua é esta que te cobriu?

desculpe, Carlos,
estou sendo leviano, estou pedante.
estou seguindo até o enjoo, estou...
sem flores feias.

meus leiteiros morrem todo dia
em casa, no trabalho. na escola, Carlos!
na escola, com aquela pele que ninguém quer.

e este poema continua leviano
e este poeta que te fala, continua...
pedante.

não há mais palavras,
não há mais porque dizê-las.

os muros continuam surdos, Carlos.
os muros continuam cinza, Carlos
não há mais uma guerra para se lutar
e todos os poetas querem morrer.

as luzes amortecidas nos telhados
os telhados amortalhados nas paredes
as paredes amarguradas pelas grades
as grades guardando gente pobre.
a rosa do povo esticada na rua
embaixo das rodas do carro frio.

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