domingo, 2 de abril de 2017

Engano

Seria bom quem fosse de confiança,
Quem pusesse as mãos no fogo em minha defesa,
Quem não ouvisse calado
Os enxovalhos aos meus córneos.

Mas todos que eu conheço são atletas em tédio
E precisam de um saco de socos pra se exercitar.
E eu, que desavisado atravesso os riscos,
Que canto vitória antes do tempo;
Eu, que abro mão do bom costume
E sou motivo do escárnio e até do ódio;
Eu, que já dancei no fogo por meia dúzia
E me queimei com as brasas furiosas da verdade;
Eu, que passo meus dias fazendo pros outros
roendo os ossos duros das tarefas coletivas;
Sou eu quem acaba pendurado no teto do quarto dos fundos.

Até hoje não fui defendido uma só vez.
És um bom homem, dizem.
Bonito o que fazes.
És o mais forte, o mais íntegro, o exemplo.
Deus sabe o que suportas.

Mas na primeira perversão sem genitor, estou de novo
Pendurado pelos pés no quarto dos fundos.

Poderão as mulheres ter sido traídas,
Posso ter feito as piores desfeitas,
Mas a natureza dos pecados, destes pecados
que me acusam, nunca me ocorrem fazer.

Mas logo estou lá, pendurado
Saboreando os golpes proferidos
Das bocas mais atléticas do socar.
E dizem o que dizem até que eu caia
E espalhe a areia do saco de pancadas
Que sou pelo chão.

Mas areia de saco de pancadas não é sangue
E sem sangue não se resolvem os problemas
E todos ficam calados, me junto e me levanto
E nenhuma desculpa é dita, obrigado nenhum.

E são esses que cobram de mim
A medula da empatia humanista.
E são esses, ó deus, são esses
Meus irmãos não me conhecem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário