domingo, 27 de agosto de 2017

desvio ideológico

o ultimo jornal da noite sempre
me faz dormir preocupado
mas hoje, as palavras neblinam
e o papel é sinuoso para percorrer.

as vezes, de olhos fechados,
entro pela cozinha amarela,
a fechadura reclama da porta,
a garrafa de café sempre vazia à mesa.

antes seguia um vulto até o quarto
onde o amor me queimava como o inferno
agora paro na salinha clara,
interrompo a luz empoeirada,
coração batendo penoso,
não avanço ao próximo cômodo
apenas sinto o silêncio.

abrir os olhos para engolir o sonho,
conhaque para engolir a realidade,
filtro vermelho para engolir a dose.
a tosse é engolida pelo soluço.

levantar-se no domingo pela manhã
ir a reuniões, usar jargões, beber café.
odiar o presidente, temê-lo.
odiar o Pentágono, a direita venezuelana
sentir o sentimento do mundo
e me sentir patético pela última noite.

os discursos se inflamam
enquanto na minha cabeça
neblina.

"cozinha amarela neoliberal"
"luta de classes na salinha clara"
"piquete silencioso no quarto"
"coração penoso que bate colonizado"

um cínico desvio ideológico
no meio da análise de conjuntura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário