domingo, 28 de agosto de 2016

Zero vinte e um

Tudo sempre começa com um primeiro verso,
converso com o Rio, me disperso,
nessas horas capto a razão do universo
e transcrevo tudo em papo corrido e reto.

sou a ponte perdida, metralhadora lírica.
de tudo que eu ganhei na vida
a verdade empírica das coisas é a mais bonita.
me tornei um usuário compulsivo da filosofia

sofia vã, como toda flor é escrava da manhã,
e essa flor depende tanto de uma mente sã.
e sanidade está em falta no Rio de Janeiro
de sexta no puteiro e segundas no divã

que caminha pro precipício e não protesta
como se consentisse uma arma apontada pra testa,
que não pula a catraca e não contesta.
forjar consciência na massa é o que resta.

panfleto na central do brasil, cinco horas da tarde,
e enquanto isso pensar como o sistema é covarde,
por que um milhão vai voltar apertado e sofrido
mas nem todo mundo sabe ler o que tá escrito.

e aí, José? e agora?
se acabou o tempo
e cê não acabou a escola.

todo menino é um rei
antes de cheirar cola
e resolver na bala o que resolvia na bola.

pés descalços na apressada candelária,
pés de vento pra malandragem centenária
cobrando a conta da chacina a vera,
roubando a vera de forma precária.

e quem há de entender os órfãos do massacre?
já que o doutor não acredita na luta de classes,
conta essa história pros menores do DEGASE
ao ecoar de "UPP, É O CARALHO, CUMPADI!"

embaçado, José? pois é.
não tem mais bucolismo nem Drummond Andrade.
tem gente que se abstrai da realidade
mas eu me materializo ela na arte.

eu escrevo a poesia que a favela me ensinou
se eu estivesse em Ipanema falaria do amor
mas eu lírico pra mim é o Freddy Krugger
correndo da PM nesse filme de terror.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

tenho vontade 
de agarrar a liberdade
finalmente, 
e simplesmente por fim
a minha dor.

tenho vontade
de andar pelo interior das mazelas 
do meu povo,
e de ver cada rosto, 
de ouvir cada história,
de chorar cada morte.

mas me ressalto,
e tanto medo tenho de ser livre,
e me libertando sozinho,
tornar-me só.

e me resigno,
pois sendo simples parte de mim
não pode ser simples o fim
da minha dor.

me desanimo,
no desalinho da minha vida,
pois caminho no interior de mim mesmo
e me perco.

tenho medo,
e tanto, tanto medo,
de ver um rosto e não lembrar,
de ouvir uma história e não viver,
de ver a morte e não chorar.

tenho medo 
do álcool que me é 
companhia perigosa 
toda noite,
tenho medo do câncer,
que uma hora ou outra 
me acometerá.

mas medo tenho,
acima de tudo,
de mim mesmo,
e da minha capacidade inútil

de ser livre
mas não saber
para onde ir.