terça-feira, 4 de novembro de 2014

Sobre Atom Heart Mother

No começo tudo era silêncio
antes mesmo da escuridão
e então fez-se o sopro,
o arco, as cordas.
se fez o metal.

me posiciono no mesmo barco
no mesmo rio,
mas é outro tempo.
eu passei
a água passou

ouço o grito do pai
mas não há nada de sagrado,
sua voz é rouca
seu timbre é forte
seu coração é distorcido,

um órgão soa ao fundo.

e fez-se o céu
na cor dos olhos daquela criança.
era verão.

e fez-se a terra
encharcada de sangue, vermelha como meus olhos.

Os anjos em coro falam sua própria língua
e aquele órgão continua a soar.

o tempo é belo e eterno.
passa a vida
passa o homem
passa a água
passa a ponte
fica o tempo
medido na corrida incessante
do ponteiro
que persegue o próprio rabo
eternidade a dentro.

passa a pilha
e o relógio,
passam os anjos,
o pai, a mãe e o filho

não importa que horas são
é tempo de desjejum:
"chá, torrada, café,
salsicha. Rosbife"

é tempo de pensar canções
e cantar filosofias.

o pai grita outra vez
'controlem as suas gargantas' - eu posso ouvir.

os anjos param.

o silêncio é perturbador e cresce,
alguns se atrevem, projetam a voz,
o som do metal os atinge.
os anjos caem no abismo.

o silêncio se faz novamente
no seio rebelde dos anjos.
na mente maldosa da gente
se faz a necessidade de cantar.

se faz também a guerra e a morte,
feito pra nós e por nós
pois é nossa culpa.

se faz o caos
se faz a caneta
se faz a poesia
tudo se funde num mesmo impasse.

no fim
tudo passa.
passa o homem
passa o rio
passa o pai.
fica o tempo
e sua transitoriedade.

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