No começo tudo era silêncio
antes mesmo da escuridão
e então fez-se o sopro,
o arco, as cordas.
se fez o metal.
me posiciono no mesmo barco
no mesmo rio,
mas é outro tempo.
eu passei
a água passou
ouço o grito do pai
mas não há nada de sagrado,
sua voz é rouca
seu timbre é forte
seu coração é distorcido,
um órgão soa ao fundo.
e fez-se o céu
na cor dos olhos daquela criança.
era verão.
e fez-se a terra
encharcada de sangue, vermelha como meus olhos.
Os anjos em coro falam sua própria língua
e aquele órgão continua a soar.
o tempo é belo e eterno.
passa a vida
passa o homem
passa a água
passa a ponte
fica o tempo
medido na corrida incessante
do ponteiro
que persegue o próprio rabo
eternidade a dentro.
passa a pilha
e o relógio,
passam os anjos,
o pai, a mãe e o filho
não importa que horas são
é tempo de desjejum:
"chá, torrada, café,
salsicha. Rosbife"
é tempo de pensar canções
e cantar filosofias.
o pai grita outra vez
'controlem as suas gargantas' - eu posso ouvir.
os anjos param.
o silêncio é perturbador e cresce,
alguns se atrevem, projetam a voz,
o som do metal os atinge.
os anjos caem no abismo.
o silêncio se faz novamente
no seio rebelde dos anjos.
na mente maldosa da gente
se faz a necessidade de cantar.
se faz também a guerra e a morte,
feito pra nós e por nós
pois é nossa culpa.
se faz o caos
se faz a caneta
se faz a poesia
tudo se funde num mesmo impasse.
no fim
tudo passa.
passa o homem
passa o rio
passa o pai.
fica o tempo
e sua transitoriedade.
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