quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Prólogo de Linhas no escuro (parte 1)

Linhas no escuro (parte um)
Garoa fina na orla, fria, densa e cortante. Havia histórias agonizando no meio fio enlameado, e ideias livres pela memória. Se esbarrando. Se misturando.
Sem caneta.
Sem papel.

Uma tarde era pouca para tantos sentimentos. E tantos não caberiam em uma semana normal. Eu precisava contar uma história que eu não gostaria de saber. Sobre, dentre outras coisas.

Uma criança.
Uma fazenda em que chovia o ano inteiro.
Um homem com olhos de fogo.
Uma porção de livros com selo da biblioteca da cidade.

Um golpe repentino de má sorte e em um segundo você começa a cair em desgraça. É assim que funciona. É sempre assim que começa. Uma risada descontrolada no banco traseiro, um sol amarelo e triunfante em um céu azul e nuvens de seda. De repente um louco, um suicida. O asfalto rabiscado pelos pneus desesperados. Gritos de mamãe. Gritos de papai. Gritos de menina. Os pneus. Três sulcos na terra quente. Gritos de menina de novo. E depois. Nada.

Um suicídio.
Dois homicídios.
É assim começa e é assim que vai acabar. Não necessariamente na mesma ordem.

Um suicida em pedaços distribuídos irregularmente pela estrada. E o carro como um animal ferido, com as quatro patas para cima, tossindo num canto esburacado da estrada. Uma desgraça iniciando outra desgraça. Uma longa risada para iniciar um calvário. Eu me pergunto porquê é sempre assim? A única resposta que me deram foi:

“A vida é irônica. Quando menos se espera ela acaba” - de uma menina de quatorze anos com um coração de sessenta.

Ela é Ágata Belina, essas são as “Linhas no escuro”.

Prólogo de Linhas no escuro (parte 2)


As confissões do Sonhador

A tarde continuava cinzenta, a garoa caia como um chuvisco de televisão no horizonte. Bob Dylan, café e cigarros e nada ainda fazia sentido. Quem eu havia me tornado? Eu riria da minha cara se me visse assim há um ano. De ladrão de casas a doador de livros. Muito havia mudado desde quando nas primeiras horas da madrugada ela entrava no meu quarto, e me entregava uma história. Uma versão que ninguém conhecia do conto mais triste, e cruel, e bonito que eu já ouvi falar. Quando me lembro desse dia sempre vejo a imagem dela na beira da minha cama de costas para mim, a vela queimando o quarto inteiro, a sombra de uma cadeira flutuando na parede e as palavras sendo entregues a mim em forma de punhais que ela mesma forjava e distribuía.

E depois um pedido, uma súplica. Eu não pude negar. E mesmo se não prometesse não seria capaz fazer de novo. Uma menina de quatorze anos me fez confessar o que nem 4 horas de interrogatório conseguiram. Eu era sim um ladrão, e eu já quase havia matado alguém. De repente soluços, ela não estava chorando. Não ela não chora. Eram meus.

...

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Estilhaços de verbo

Meu peito apertou quando você não disse
Quando você sumiu e na sua ausência eu te senti presente
Você levou meia frase mordida
A outra metade eu ainda mastigava, tinha gosto de ferro
E oxidava depressa.

Meu coração foi esmagado pelos próprios batimentos
Minha mão esquerda tremeu
Eu sorri um sorriso epilético e sussurrei: preciso escrever

Você que volte aqui,
Te direi as melhores que eu tiver
Antes mesmo que as suas mentiras caiam nos meus pés
Mortas, inúteis e ridículas
Falsas como são as mentiras perante a verdade

Eu cuspirei o resto da frase no seu rosto
E ela vai te agarrar pelo pescoço
E vai esbofetar seu coração
Isso se você voltar, e quando voltar

Enquanto isso algumas palavras oxidam na minha boca
Algumas ideias fervem no meu peito
São coisas que não vou dizer
Momentos que não vão acontecer.