Linhas no
escuro (parte um)
Garoa fina na
orla, fria, densa e cortante. Havia histórias agonizando no meio fio enlameado,
e ideias livres pela memória. Se esbarrando. Se misturando.
Sem caneta.
Sem papel.
Uma tarde era pouca para tantos
sentimentos. E tantos não caberiam em uma semana normal. Eu precisava contar
uma história que eu não gostaria de saber. Sobre, dentre outras coisas.
Uma criança.
Uma fazenda em que chovia o ano
inteiro.
Um homem com olhos de fogo.
Uma porção de livros com selo da
biblioteca da cidade.
Um golpe repentino de má sorte e
em um segundo você começa a cair em desgraça. É assim que funciona. É sempre
assim que começa. Uma risada descontrolada no banco traseiro, um sol amarelo e
triunfante em um céu azul e nuvens de seda. De repente um louco, um suicida. O
asfalto rabiscado pelos pneus desesperados. Gritos de mamãe. Gritos de papai.
Gritos de menina. Os pneus. Três sulcos na terra quente. Gritos de menina de
novo. E depois. Nada.
Um suicídio.
Dois homicídios.
É assim começa e é assim que vai
acabar. Não necessariamente na mesma ordem.
Um suicida em pedaços
distribuídos irregularmente pela estrada. E o carro como um animal ferido, com
as quatro patas para cima, tossindo num canto esburacado da estrada. Uma
desgraça iniciando outra desgraça. Uma longa risada para iniciar um calvário.
Eu me pergunto porquê é sempre assim? A única resposta que me deram foi:
“A vida é irônica. Quando menos
se espera ela acaba” - de uma menina de quatorze anos com um coração de
sessenta.
Ela é Ágata Belina, essas são as
“Linhas no escuro”.