terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O samba dos terreiros da cidade

Ela dança no terreiro
e os cabelos a balançar

ela balança no terreiro
e os cabelos a dançar

ela dança no terreiro
e os cabelos a balançar

ela balança o mundo inteiro
com suas cadeiras a requebrar

ela enfeitiça o partideiro
com seu sorriso, seu olhar

o poeta sente o peito
e põe a caneta pra dançar

nesse terreiro de cidade
a rua pára só pra olhar

quando ela solta os fios negros
ela solta a magia pelo ar.

sábado, 17 de janeiro de 2015

Sobre o amor

às vezes acaba
às vezes demora
às vezes trai

às vezes sai
para comprar cigarros
e não volta

mas às vezes,
e só às vezes
fica pra sempre no peito

ao contrário
do que se pensa por aí
amor não é fórmula
e não senta no divã

não é uma família
uma casa
e um sedã

amor não é classe
e não é médio
amor é grande
nem sempre é hétero

amor se mede
mas a conta é infinita
amor se define
ao mesmo tempo
que se limita

pode ser
um desenho à mão livre
de uma criança

ou os riscos no chão do salão
depois da dança

marcando o toque
e a parceria
fingindo sincronia

pois no tango
há sempre alguém
que chora

amor não é constância
é transitoriedade
é o orgasmo de estrelas
da eternidade

o amor é moleque
e pula a janela
amor não é cais do porto
amor é barco à vela.

levado no vento
por essa imensidão triste
desenhando estrelas
em tudo o que existe.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

três e doze

Frio,
vou descendo a rua quente
a madrugada clareia as ideias
vou versando sobre o nada no escuro
as sombras dançarinas das palmeiras me arrepiam
as luzes de mercúrio me desesperam
a solidão absoluta me distrai
os bêbados rastejam sarjeta a dentro
os ratos me espreitam calados no esgoto
não os vejo, mas os sinto sob o asfalto ressecado

os malandros continuam de pé
os farsantes também, mas não demoram
as portas dos bares descem
os motores dos carros morrem
iniciando um silencio devastador
não há mato, nem grilos
o vento uiva de dor espremendo-se entre os prédios
eu descubro que os fios de alta tensão chiam

num lapso de euforia solto um riso
ele se afrouxa dos meus lábios e cai no chão
é um riso de ironia que quer me matar quando puder
me agacho para apanhá-lo e ele foge
de volta a forma de cigarro ele rola até o bueiro e cai
me sento no chão quente da minha cidade natal
as três e doze da manhã e espero que o dia me atropele

um mendigo me reprova,
ele tem cheiro de dias sem banho
e me reprova
ele carrega uma garrafa de aguardente no estomago,
e me reprova
deita as costas num pedaço de papelão
e mata uma barata com um livro
e me reprova outra vez.

o pobre diabo não sabe que sou uma Sig Sauer
gelada, apontada pra cabeça da beleza
com um dedo gordo no gatinho
nervoso, suado e puto.
prestes a esparramar os miolos do que é belo
e arrastar o pouquinho de saudade do seu peito por aí.

me levanto e acendo outro cigarro
este vai me matar de verdade
não só ficar blefando e rolando no chão
meus joelhos ardem pois a madrugada não perdoa.

em casa eu vou sangrar sobre um papel
e por sal grosso na ferida.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Sempre quis
ser dialética
mas é paradoxo

ortodoxo a uma
filosofia hermética
sobre a mudança

um velho
de vinte e poucos.
ranzinza
na esperança

de que um muro
erguido sobre a morte
não seja cinza.

suponho eu, que
pratique
a suposição

se tivesse autonomia
gritaria

se tivesse armas
se rebelaria

se tivesse câncer,
ah, se tivesse um câncer..
na primeira chance
morreria.