sábado, 27 de dezembro de 2014

Rua Cinco

A luz se foi no subúrbio.
a escuridão pintou as esquadrias
das casas de alvenaria de preto.
destemidos,
os gatos correram sobre os muros.
atônitas as famílias lamentaram
e perguntaram uns aos outros:
e agora, o que fazer?

Os televisores ridículos e murchos
se esconderam na escuridão da mobília,
as velas incendiaram suas telas gigantes
e a luz amarela refletiu sua vergonha.
pequenos pés descalços e despreocupados
logo se espalharam pelo asfalto,
os pneus nervosos estacionaram
vergonhosos da nudez dos pés infantis

um violão soou desajeitado e logo se ajeitou.
um belo samba se fez ouvir.

açoitados pela brisa que além de vento trazia musica
os postes de luz foram morrendo
as lampadas de mercúrio incandescentes desencandesceram
os cabos elétricos sem eletricidade se tornaram inúteis
e dentro das casas as camisas de força se rasgaram.

todos correram para olhar o céu
a lua, até então tímida se abriu,
estava cheia de luz
e vestida de suaves nuvens de seda.
tantas e tantas estrelas foram nascendo
e enquanto nasciam
bordavam os sorrisos dente a dente.
a suave brisa trouxe até aqui
estes cheiros e sons, 
suspendi então os olhos do caderno 
sobre o qual minha caneta sangrava.
o fogo da vela tremeu com meu suspiro
fechei os olhos e parei de sangrar
 os abri de novo
e peguei meu violão a me olhar,
por trás dos meus portões de aço
a rua cinco me ouviu cantar.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

ausência

não há o que dizer sobre o deserto
onde o futuro é uma linha tênue
camuflada pela noite, boiando no horizonte

onde depois da hora mais escura
do instante mais frio
o sol põe fogo no céu,
o céu põe fogo no chão.

o amanhecer na cidade é parecido
quando tudo o que se vê
é um deserto de concreto armado no aço,
e o céu tem a cor da fumaça do cigarro.
eu fico aqui camuflado na noite,
a fumaça vai boiando no horizonte.

eu queria meu travesseiro de vento
eu queria um buraco no tempo
mas só o que eu tenho é a ausência
no ar quente parado deste frio pré-matinal

A imensidão em mim é absurda, paradoxal
estou cheio de acres e acres de espaço
meu grito de dor se expande, os preenche e morre.
e no espelho dos meus olhos não há nada.

sem chão, sem céu, sem paredes ou portas
meu peito é deserto, meu nome é ausência.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Ao Botafogo de Futebol e Regatas

Me rasgas o peito e me deitas no chão
mas não há lágrimas que não sequem
e foi tu, meu primeiro amor, que me fizeste ver
dos bons momentos teus amantes nunca esquecem

escalo o céu com os olhos e tua estrela ainda está lá
não és cadente, ó lindo brasão da vitória!
me guias na escuridão e então adormece na glória,
dentro da imensa ferida que me fizestes no peito

agora há uma estrela no lugar do meu coração
esta estrela me maltrata, me dói, mas não a rejeito
ela me faz pular, sorrir e gritar, levantar a cabeça e dizer

ao peito daqueles que riem por nunca chorar
o amor por natureza se manifesta na dor
e se não sentes dor como podes amar?